Era meio dia, e os ônibus da fria Curitiba ainda não estavam tão lotados como de costume. Entrei, procurei um lugar para sentar, a fim de ler Franz Kafka (embora não pensasse em ter sucesso: apesar da opressão das pessoas enlatadas dentro de um veículo de 20 metros ser kafkiana, a filosofia do checo é refinada demais para ser entendida àquelas condições). Pois bem, próximas ao lugar que encontrei para sentar-me havia duas meninas, ambas com os seus 14 anos. O fato de estudarem no saudoso Colégio da Polícia Militar, talvez a melhor escola pública do estado, me chamou atenção. Seja devido a bizarrice da farda azul, seja porque estudei lá um dia. Não lembro. Sentei-me, e mergulhei no universo sufocado de Gregor Samsa. Porém, em uma das paradas bruscas do ônibus, me sobressaltei, e vi nas mãos de uma das meninas o Revolução dos Bichos, George Orwell. Pensei: "Uau. Os professores do colégio estão se saindo bem, pelo visto." Ledo engano. Alguns minutos depois, após mais algumas tentativas frustradas de conviver com a família checa dos anos 1910, ouço a menina com o livro nas mãos comentar com sua colega algo relacionado à obra do jornalista. Ambas riem, e a colega-sem-nome desdenha: "Eu já cheguei nesta parte! Meu, esse livro é muito chato! Eu odiei! Aliás, esse é do porquinho, não é?!" Pensei, com o Kafka chorando em minhas mãos: "Sim, colega. Esse é o do porquinho, da granja transformada numa sociedade muito parecida com aquela proposta, detentor de uma análise invejável a muitos historiadores. Orwell também era jornalista, além de gênio. Ou gênio, além de jornalista. Mas não, você não precisa saber disso. Vá só viver a sua vida."
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