quinta-feira, 18 de junho de 2009

Jornalismo - Quem sabe?

Quem sabe?
por Guilherme Sobota*

É com algum pesar com que venho falar no dia de hoje, 17 de junho de 2009. Quarenta anos depois da regulamentação da profissão jornalística, o Supremo Tribunal Federal definiu hoje a não-exigência do diploma para exercício da profissão.

O relator do Recurso Extraordinário 511961, Gilmar Mendes, conhecido por suas gafes e desacatos com a mídia, redigiu um voto, denominado pelos seus colegas e humildemente aceito por este estudante, magnífico. Exceto, obviamente, a peça de argumento em que ele compara os jornalistas aos cozinheiros – uma marca, ao menos, da excentricidade do Presidente do Supremo. Além disso, Mendes foi pontual, sucinto, talvez até justo. Denominou, na sua visão de advogado, os pontos que ele considerou inconstitucionais em relação ao Decreto-Lei 972/1969 (que exigia o diploma para exercício do jornalismo). Convenceu os outros ministros a votarem ao seu lado, usando argumentos limpos e claros. Ele ainda ressalvou que a formação em nível superior é, de fato, importante para o exercício da profissão.

Até aí, tudo bem. O que me deixou embasbacado foram os votos pronunciados pelos ministros Cezar Peluso e Carlos Britto (este o homem mais entendiante ao qual já ouvi). Ambos se pronunciaram, dentro da Corte máxima do país e em rede nacional de televisão e rádio, afirmando veementemente que o jornalismo não cabe dentro da sociedade como profissão. "O jornalismo é puramente intelectual, tem muito mais de arte do que de técnica" proferia o ministro Britto a plenos pulmões. "Veja Machado de Assis, veja Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes: excelentes cronistas que nunca passaram por uma faculdade de comunicação" afirmava aos quatro ventos. Já o outro, quis jurar que o jornalismo não detém conhecimentos de fundamentação teórica. Que nele não se desenvolveram "verdades científicas" capazes de basear um diploma.

Dizer que não há nenhuma fundamentação teórica é possuir plena ignorância em relação à área. O ministro, com certeza, nunca ouviu falar em John Hohenberg, Robert Park, Maxwell McCombs, Adelmo Genro Filho, Perseu Abramo, Clóvis Barros Filho, Mário Erbolato, Nelson Traquina, etc, etc, etc.

O ministro Britto, com absoluta certeza, nunca assistiu, muito menos vivenciou, um dia de fechamento em uma redação de jornal ou revista. Nunca acompanhou um réporter em alguma estrada de terra esburacada pelo interior do Nordeste. Nunca, nunca, na sua vida, fez um trabalho de reportagem, de apuração de notícias, de gatekeeper, fotográfico, de filmagens televisivas, de entrevista gravada. Ele não tem o direito de falar que a profissão jornalística não possui elemento técnico algum. Claro que ela tem um quê artístico, mas não se resume a isso.

Ainda, ao comparar Machado, Drummond e Moraes a nós, simples (pré) jornalistas, ele erra, ou por um lado, ou por outro: ou por equiparar a genialidade dos três literatos ao texto jornalístico comum e técnico do cotidiano; ou por superestimar todos os jornalistas brasileiros e afirmar que todos detêm a capacidade com as letras que os três possuíram. Incrivelmente equivocado, o senhor ministro.

O único ministro presente divergente foi Marco Aurélio. Ele afirmou que não via em nenhum momento contradição entre o decreto de 69 e a Constituição de 88. Ele disse que a sociedade, ao longo destes quarenta anos, se adaptou às necessidades e criou um ambiente amigável com a obrigatoriedade. Ainda, ressaltou que os jornalistas, a partir do momento, teriam graduações distintas, ou mesmo apenas 2º grau completo, chegando ao extremo de jornalistas que cursaram apenas o ensino fundamental.

Pois bem. É de se dizer que a visão para o futuro ficou um pouco mais cinzenta com essa decisão. Eu não quero imaginar os milhares de aproveitadores que aparecerão no país se autodenominando "jornalistas". Quem sabe, o jornalismo possa virar um "bico", como era no início do século passado (isso, inclusive, determinou o jornalismo parcial, coronelista e inescrupuloso da primeira metado do séc. XX, liderado por Assis Chateaubriand e Irineu Marinho). Quem sabe, ele vire uma bandeira para lutas de esquerda contra o governo, ou vice-versa, perdendo assim seu caráter informativo e seu modelo social. Quem sabe, as redações virem um antro de desesperados por dinheiro, robôs automáticos de repetição dos ideais e posicionamentos dos donos dos grandes jornais, promovendo assim uma mídia desacreditada e fraca. Quem sabe?

Mas pelo outro lado, o jornalismo pode assim, ser valorizado. Quem sabe as escolas de Comunicação pelo país entendam que o ensino DEVE ser de qualidade, que os professores devem entender e fazer os outros entenderem, melhorando assim o criticado nível do ensino das mesmas. Quem sabe elas caiam na real de que agora, é pra valer. Quem sabe, os donos das grandes empresas de comunicação comecem a valorizar os jornalistas formados, comecem a enxergar nestes um valor perdido pela sociedade. Quem sabe aqueles que não tiveram uma oportunidade de cursar uma faculdade de Jornalismo possam entrar neste mundo cautelosos, ansiosos por conhecimento e pela formação de uma mídia mais independente, mais responsável, menos elitizada. Quem sabe o jornalismo resgate sua credibilidade, seu modelo de excelência. Quem sabe ele se torne um marco, uma profissão, sendo assim respeitado pelos ministros do Supremo.

Quem sabe?


* Guilherme Sobota é estudante de Jornalismo da UFPR


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Texto escrito originalmente para o Jornal Comunicação da Universidade Federal do Paraná, e publicado na versão Online do jornal no dia 17 de junho de 2009. Acesse clicando
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