quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Literatura - "Todos estes que aí estão / Atravancando meu caminho..."

Há algum tempo queria voltar às origens do blog e falar sobre literatura. Mantendo o mesmo padrão de antes, um autor seria escolhido. Mas por vários e vários dias, teimosamente, nenhum me chegou à cabeça. Ironia, para um apaixonado por literatura que mantém um blog.

Porém, hoje, eu relembrei. Quem mereceria um post senão aquele que me consola nos momentos de ócio? Falo isso porque carrego comigo um pequeno livro de bolso todos os dias, aonde quer que eu vá. Falo, afinal, de Mario Quintana.


"Eles passarão / Eu passarinho".

O primeiro soneto de Quintana que despertou meu interesse foi o seguinte:

"A Rua dos Cataventos - XXXV

Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!

Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!...

Eu lavarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas...

E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios da vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto..."


O diferencial de Quintana era a "rara legibilidade". Não são raros os ensaios sobre o autor que versam sobre isso. Amigo de vários outros grande poetas brasileiros contemporâneos a ele, Quintana viveu em Porto Alegre de 1906 a 1994. A cidade, que lhe rendeu o título de Cidadão Honorário, foi, inclusive, palco de inúmeras histórias do poeta:

"Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei..."

Quintana passou toda sua vida entre redações de jornais (ele trabalhou no Estado do Rio Grande, no Correio do Povo, e escreveu crônicas para vários outros) e a literatura. Com dezenas de livros publicados, a obra de Mario Quintana entrou no hall das mais consistentes obras de poesia do Brasil, ao lado de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Vinícius de Moraes e outros.

Voltando à obra em si, o que eu considero um pico dos poemas de Quintana se encontra na série Espelho Mágico, uma reunião de quadras em que o autor descreve várias situações, inclusive algumas banais. Diz Quintana:

"Das corcundas

As costas de Polichinelo arrasas
Só porque fogem das comuns medidas?
Olha! Quem sabe não serão as asas
De um Anjo, sob as vestes escondidas..."

"Da eterna procura

Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada...
E terminados desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada."

"Da felicidade

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!"

"Da condição humana

Se variam na casca, idêntico é o miolo,
Julguem-se embora de diversa trama:
Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo
Que o mais sutil dos sábios quando ama."

Leia (sobre) Quintana:
Mario Quintana - Biografias - Releituras.com
Jornal de Poesia - Mario Quintana
Toda a loucura lúcida de Mario Quintana - Estadao.com.br

Leia o que já foi publicado sobre literatura clicando aqui.

Assista a reportagem do JN quando da morte do poeta:



Para finalizar, Quintana:

"O poema

Um poema como um gole dágua bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza."

Um comentário:

  1. muito legal o post! eu provavelmente deveria ler mais poesia! auhauhaua
    Luiza.

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