Reproduzo alguns trechos do brilhante artigo do jornalista Washington Araújo (dono do blog Cidadão do Mundo) sobre o Jornal Nacional:
"O ditador da moda
Aos 40, o Jornal Nacional continua ditando a moda jornalística, sim, porque no Brasil há sempre um modismo evidente ou camuflado, mas moda sempre seguida. A começar pela bancada com traços abertamente futuristas, a verdade é que a do Jornal Nacional é obra de arte, é senso estético à flor dos olhos. Depois temos a indefectível vinheta em frenético movimento com a nervosa musiquinha que de tanto ser vista e ouvida passou a ser símbolo de telejornal da noite, de telejornal da Globo.
Não importa quanto tempo seja campeão de audiência, outra verdade é que o Jornal Nacional consolidou no Brasil – e é seu melhor representante – o jornalismo espetáculo, o jornalismo como show, o jornalismo com cabeça e olhos de cinema. Com apresentadores sempre impecavelmente bem trajados, maquiagem e cabelos à prova de qualquer tsunami e, principalmente, contando com gente talentosa, com dicção muito acima da média, não há como negar que é este o telejornal que melhor personifica o sempre comentado padrão Globo de qualidade televisiva.
O que incomoda é essa estranha capacidade que o JN tem de recriar todo santo dia esse clima de cumplicidade com o telespectador, um clima que favorece esquecer as agruras do dia e postar os olhos, qual hipnotizado, no que está sendo dito por William Bonner ou por Fátima Bernardes. E não importa se a notícia é sobre o recuo de Barack Obama em sua intenção de instalar sistema defensivo antimíssil no Leste Europeu (Polônia, República Checa ou Eslováquia). Convenhamos que não é assunto corriqueiro nessa paragens tropicais. Mesmo assim tudo é consumido de maneira natural e pouco importa se trocamos os mísseis pela cobertura do funeral-espetáculo do astro pop Michael Jackson ou do funeral-parada militar do longevo senador Ted Kennedy.
Em ritmo de videoclipe, a realidade perde seu eixo e já não se sabe o que é realidade filmada do que é realidade fabricada. O show em que o jornalismo se transmuta é tão bem feito, tão bem calculado em milésimos de segundos que após assistir a uma edição do JN pouco, bem pouco, fica retido em nossa memória, pois embarcamos do real para o ilusório em fração de segundos.
[...]
Semana retrasada, tentando salvar meu domingo diante de TV enquanto trocava os canais me deparei com o William Bonner – com sua mulher e filhos – tentando responder ao apresentador Fausto Silva, que o apresentara à amestrada claque, voltando a abusar de sua preferida ladainha louvaminheira – "ninguém é tão ético, é tão profissional, é tão bom caráter, é tão glorioso, é tão gente, é tão querido pelos colegas, é tão generoso na profissão, é tão hiperamigo" – sobre como o casal fazia o Jornal Nacional. A resposta do Bonner foi sintomática: "Primeiro temos que preparar o cardápio" (ou algo assim).
Logo me desliguei do assunto e pensei com meus botões que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, até que não estava tão equivocado assim ao ter equiparado a profissão de jornalista com a de cozinheiro. É que o JN é feito sob medida, segue uma receita, tem um cardápio a oferecer. E neste cardápio nem sempre assoma o objetivo consciente do jornalista e da empresa de informar o espectador e demonstrar de forma inequívoca sua honestidade para com a veracidade jornalística.
Porque no jornalismo não existe meio termo – ou se conspira ou se denuncia a conspiração."
Para ler o artigo completo, clique aqui.
Bem.
Pegando um gancho no post da semana passada, critiquei o sistema de ensino do jornalismo no Brasil por se dar nos "8 ou 80": ou o estudante cria um ódio mortal pela profissão, passando a criticá-la veementemente, ou assume todas as vergonhas claras dela e assassina o padrão ético de excelência, aparentemente divergente do mercado editorial.
Washington Araújo, por sua vez, confirma essa tese, carregando-a para fora da discussão acadêmica. Bem, saindo do lado técnico...
A crítica do jornalista ao JN é simplesmente verdadeira. O jornalismo dado como show, e já analisado por muitos intelectuais da área, é a receita certa do telejornal brasileiro. O cardápio, já existe, há 40 anos ele foi descoberto e explorado por gente sem compromisso acadêmico ou social. E, como se vê diariamente, ele funciona até hoje.
Porém, está longe de ser perfeito. O padrão técnico é de primeiro nível. Entretanto, o padrão de conteúdo dia a dia se confunde com as 3 ou 4 novelas que o circundam. Contamina-se com a superficialidade da TV, a mercadologia da empresa de comunicação, a sede de ganhos do setor comercial.
No meio desse bolo, montado pelos cozinheiros de sempre, o jornalismo entra no segundo plano. Ele se transformou numa vinheta - aquela ouvida inconfundivelmente anos após anos - e numa logo. O jornalismo apenas cedeu a letra "J" para essa logo, mas logo foi esquecido, menosprezado. O que me resta, é perguntar a mim mesmo se um dia eu verei o jornalismo, nu, só. Espero que o leitor se faça a mesma pergunta de vez em quando.
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