segunda-feira, 30 de março de 2009

O Mundo: Literatura - Grande Ser, Tão Veredas


Devido ao mormaço político, à ressaca dos escândalos seguidos (o último foi aquele de que a Câmara paga a empregada doméstica de um deputado), e a falta de cores no blog, volto a dedicar um post para a literatura. Desta feita, vamos viajar para Minas Gerais e conhecer aquele que, para mim, é o melhor prosador brasileiro.
Afirmo isso com tamanha segurança por ter acompanhado Riobaldo jagunço pelo sertão pobre de Minas, Bahia e Goiás. Por ter convivido com o rapaz inteligente, que queria ser doutor, por tanto tempo. E sobretudo, por ter conversado com ele.

"O diabo na rua, no meio do redemunho..."

Porque essa é a sensação que João Guimarães Rosa passa ao leitor ao esculpir Grande Sertão: Veredas. Os conflitos internos de Riobaldo Tatarana são tão incondizentes com a sua condição de jagunço, que é incrível pensar em vida humana, no teor, em tais condições. O diálogo (ou o monólogo) travado com o visitante anônimo é um balanço de toda a vida do sertanejo, detalhadamente rico, e faz o leitor sentir-se à vontade para refletir as mesmas angústias que perpassam a vida de Riobaldo, paradoxalmente tão particulares e tão comuns.


"O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por demais com a baboseira, dum traque de jumento formam tufão de ventania."

Além do retrato psicológico intenso do personagem, Rosa fotografa as mais variadas e ricas paisagens do sertão mineiro com suas palavras. E claro, o faz com maestria, quase que geograficamente.

"Otacília, estilo dela, era toda exata, criatura de belezas. Depois lhe conto; tudo tem o tempo. Mas o mal de mim, doendo e vindo, é que eu tive de compesar, numa mão e noutra, amor com amor. Se pode? Vem horas, digo: se um aquele amor veio de Deus, como veio, então - o outro?... Todo tormento. Comigo, as coisas não têm hoje e ant'ôntem amanhã: é sempre. Tormentos. Sei que tenho culpas em aberto. Mas quando foi que minha culpa começou? O senhor por ora mal me entende, se é que no fim me entenderá. Mas a vida não é entendível."

Porém, o traço mais fascinante da obra de Guimarães Rosa é a linguagem. Em questão linguística, o autor estudou português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, russo, sueco, holandês, latim, grego, húngaro, árabe, sânscrito, lituânio, polonês, tupi, hebraico, japonês, tcheco, finlandês, dinamarquês. E segundo o próprio: "Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional."
Com tantos estudos, Rosa teceu o português sertanejo da época de maneira sublime, atingindo o ápice da sua obra nas inovações formais.

"Aquilo nem era só mata, era até florestas! Montamos direito, no Olho-d'Água-das-Outras, andamos, e demos com a primeira vereda - dividindo as chapadas -: o flaflo de vento agarrado nos buritis, franzido no gradeal de suas folhas altas; e, sassafrazal - como o da alfazema, um cheiro que refresca; e aguadas que molham sempre. Vento que vem de toda parte. Dando no meu corpo, aquele ar me falou em gritos de liberdade. Mas liberdade - aposto - ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém não ensina: o bêco para a liberdade se fazer. Sou um homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é cousa terrível? Lengalenga. Fomos, fomos."

Minha dica: procure, e leia um livro de Guimarães Rosa. Preferencialmente, Grande Sertão: Veredas, que é sua obra prima aclamada pela crítica. E por mim.


Referências:
João Guimarães Rosa - Biografia
Folha Online - Publifolha - Livro explica Guimarães Rosa e sua principal obra

_
"Um chamado João", de Carlos Drummond de Andrade.

"João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

[...]

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar."

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